Este artigo é uma sinopse das contribuições apresentadas na Reunião Estratégica no 8 do Smart City Business Brazil Congress 2022, realizado em São Paulo, no dia 25 de maio de 2022. Essa reunião tratou sobre alternativas para estimular o uso do transporte coletivo e contou com a participação gestores públicos e privados, bem como com especialistas do setor.
O advento da pandemia da Covid-19 acentuou a queda na demanda dos serviços de transporte coletivo que já era observada nas grandes cidades nos últimos anos. Além da perda de receita, esse fenômeno tem gerado diversos problemas, tais como o crescimento do tráfego urbano, aumento na emissão de poluentes e a necessidade de maior subsídio ao transporte público.
Um dos pontos iniciais destacados na reunião foi o fato de que um transporte melhor não significa necessariamente um transporte mais atrativo. Para atrair mais passageiros é necessário gastar mais, o que poucas vezes aconteceu com o transporte por ônibus no país. E isso, também exige planejamento de longo prazo, praticamente inexistente no setor.
Quem vai pagar pelo transporte deve ter a sensação de receber um serviço com mais qualidade e, para isso, é necessário melhorar sua imagem. É possível divulgar as contribuições do transporte coletivo para o desenvolvimento sustentável das cidades e a sua capacidade para agregar valor aos deslocamentos. Por outro lado, também devem ser comunicados os desafios e as características do sistema de transporte. Por exemplo, o horário de pico é planejado para a lotação máxima e isso deve ser devidamente informado à população.
Para valorizar e melhorar a imagem do transporte público é necessário intensificar a comunicação com a sociedade, clientes e formadores de opinião. É possível utilizá-la para recuperar e atrair passageiros, como é o caso da nova geração que está chegando ao mercado. Ela pode ser conscientizada da importância e do valor social agregado pelo transporte coletivo, cabendo lembrar que muitos jovens, mesmo diante das dificuldades econômicas, ainda desejam seu próprio carro.
Também, para estimular o uso do transporte coletivo é necessário tratar a mobilidade como serviço, tendo os passageiros como o centro das decisões. O usuário, aquele que não tem opção de escolha, é diferente do cliente que pode escolha o serviço que vai utilizar. Falta trabalhar o marketing de serviço; bem como, buscar conhecer o “valor” que a população espera receber no transporte coletivo.
Além disso, cabe lembrar que a Lei de Mobilidade no 12.587/2012, em seu art. 14, incisos I e II, prevê que os usuários do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana têm o direito de “receber serviço adequado” e de “participar do planejamento, da fiscalização e da avaliação da política local de mobilidade urbana”.
Assim, um dos desafios da atualidade é oferecer às cidades soluções de mobilidade que sejam construídas coletivamente, com participação do poder público, concessionárias, segmentos organizados e população. Ressalta-se que é fundamental que tais soluções sejam baseadas no que as pessoas desejam e para isso é fundamental que elas possam dizer o que querem.
Por outro lado, considerando as limitações orçamentárias do poder público resta também importante desenvolver soluções para atrair investimentos privados para o setor. Nesse sentido, um esforço inicial deve ser dirigido para segregar os “papéis” institucionais, lembrando que a prestação dos serviços de transporte é privada, mas a responsabilidade por sua disponibilidade é do poder público.
Em especial cabe destacar que o risco da demanda não deve ser “empurrado” para as concessionárias, eis que ele é de difícil dimensionamento e de ser superado. Ao contrário das mercadorias, não há previsibilidade quando se trata do transporte de pessoas. Assim, a remuneração das concessionárias deve ser baseada na disponibilidade do serviço, eis que não há seguro para o risco da demanda.
Para serem atrativas, as concessões devem possibilitar a adequada remuneração das concessionárias, sendo o risco da demanda assumido pelo poder público. Caso contrário, a transferência desse risco à empresa privada implicará em maiores custos tarifários e, eventualmente, poderá significar a deterioração ou, até mesmo, a inexequibilidade da prestação dos serviços.
Além disso, é necessário dispor de ferramentas jurídicas que propiciem maior segurança jurídica e, em especial, que permitam a flexibilização dos contratos visando eventuais ajustes durante a concessão. Em geral, os contratos vigoram por mais de uma década, período no qual surgem mudanças conjunturais, tecnológicas e até regulatórias não previstas na licitação.
Também, é necessário eliminar barreiras de acesso no setor, de tal forma que seja possível aumentar a concorrência. Entre as alternativas, está a redução do tamanho dos lotes a serem licitados, aumentando a chance de empresas menores participarem, e a transformação das garagens existentes em bens de interesse público a serem disponibilizadas ao proponente vencedor, dessa forma a posse desses ativos deixa de ser uma vantagem competitiva na licitação.
Podem, ainda, ser considerados novos modelos de contratação, nos quais sejam incluídos “novos negócios” como a exploração de ativos imobiliários, e até a concessão no modelo de “franquia”, no qual o poder público “manualiza” a operação do transporte e pode também fornecer o material rodante, cabendo à concessionária a operação dos serviços, propriamente ditos.
Para estimular o uso do transporte coletivo é, também, necessário obter maior eficiência operacional, gastar menos, gerar ganhos de escala e segregar as questões técnicas e financeiras. Para isso, deve-se melhorar a gestão das concessionárias e dos órgãos públicos fiscalizadores da concessão, bem como implantar sistemas de monitoramento e de controle das operações, inclusive com acesso público.
Além disso, é necessário administrar a “imobilidade” urbana, preenchendo as lacunas da mobilidade urbana com a integração modal, especialmente, na denominada “última milha”. Assim, será possível obter tarifas menores e até ampliar o atendimento, tornando o transporte coletivo mais atrativo para a população.
Dentro de um contexto mais amplo há também de se considerar a demanda reprimida. A população necessita de mais transporte e que seja mais eficiente, mais barato e mais rápido. Em países ricos, todas as parcelas da população utilizam o transporte público e esse é um desafio que precisa ser equacionado no país. Atualmente, com poucas exceções, quem usa e paga o transporte público no Brasil são as pessoas das classes “C” e “D”, enquanto os recursos públicos, muitas vezes, são utilizados para fazer ruas e estacionamentos para as classes “A” e “B”.
Bem ilustra tal contexto, a falta de trens. Com cerca de 12 milhões de habitantes, São Paulo possui apenas 100 km de ferrovias. De outro lado, com 4 milhões de habitantes, um quarto da população paulista, Madrid possui aproximadamente 280 km de ferrovias. Ou seja, São Paulo tem 8,3 km e Madrid 70 km de ferrovias para cada um milhão de habitantes.
No tocante ao planejamento urbano, deve ser dada atenção à priorização do transporte no sistema viário, via faixas exclusivas e semaforização, e ao uso do solo, através das centralidades para reduzir os deslocamentos por meio de espaços multifuncionais e autossuficientes, com equipamentos urbanos, postos de trabalho e locais de moradia.
As faixas exclusivas em geral, ainda são insuficientes, e quando são implantadas sofrem outras demandas de uso, deixando de ser exclusivas. Por exemplo, em São Paulo há 17 mil km de vias, das quais 5 mil km utilizadas pelo transporte coletivo sem nenhuma exclusividade. De outro lado, a exclusividade é bem avaliada pelos passageiros nessa cidade, como é o caso do expresso Tiradentes, que superou a avaliação do metrô.
Nas regiões metropolitanas também há o desafio de estruturar adequadamente as autoridades e competências relacionadas ao transporte coletivo integrado e de características urbanas. Há barreiras a serem superadas como o financiamento compartilhado, capacidade de gestão e a perda de poder municipal no contexto das soluções integradas.
Em especial, no caso brasileiro, há de se enfrentar o desafio do financiamento pois o modelo tradicional no qual os usuários são os únicos que respondem pelos custos operacionais já é parte do passado. Os desafios da mobilidade urbana têm soluções disponíveis, com projetos que podem melhorar a infraestrutura e a qualidade dos serviços. Porém são necessários recursos financeiros, tanto para custear a operação como realizar os investimentos necessários.
Para financiar o transporte coletivo podem ser consideradas alternativas como o pedágio urbano, os estacionamentos rotativos, a alteração da lei do Vale Transporte e a implantação da CIDE municipal sobre a gasolina e álcool utilizados nos veículos particulares. Também podem ser consideradas a apropriação da valorização dos imóveis ao longo dos eixos do transporte e a exploração dos ativos imobiliários do sistema, entre outras possibilidades.
Também há expectativas que o novo marco legal do transporte coletivo, que atualmente está sendo debatido, possa dar um novo folego ao setor. Entre outros aspectos, esse marco poderá contemplar a redução dos custos operacionais, a flexibilidade contratual, a redução das barreiras de entrada e dos riscos, o fortalecimento institucional, as fontes de financiamento, o planejamento de longo prazo, os dados abertos e a gestão transparente da concessão.
Concluindo, cabe ressaltar que estimular o uso do transporte coletivo demanda o combate à exclusão social via tarifas reduzidas ou até inexistentes, a construção de uma imagem de modernidade, a integração com outros modais, o aperfeiçoamento da regulação e o equacionamento do financiamento. Além disso, para os usuários também deve ser garantido o direito de escolha, o acesso à informação e à transparência, bem como, disponibilidade de serviços adequados e de qualidade.
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