A importância da Transformação Digital tem sido cada vez mais percebida nos Serviços de Utilidade Pública, como Distribuição de Água, Gás e Energia Elétrica que, para efeito deste artigo, doravante serão chamadas de utilities. No Brasil tem acelerado a sua transformação digital, tendo como prioridades a melhora na qualidade do serviço, o combate às perdas e furtos e a redução de custos operacionais.
No entanto, ainda há grandes desafios e barreiras a serem superados para que a transformação digital alcance a velocidade adequada e permita a captura de valor pelas Utilities do potencial de negócio, qualidade e relacionamento permitidos pelas tecnologias digitais. Talvez o mais relevante dos desafios seja o entendimento do potencial da transformação digital, além da fatura digital e dos Apps de relacionamento.
Como principais desafios, podemos citar barreiras regulatórias/reconhecimento dos investimentos, dificuldades de integração de sistemas que envolvem o gerenciamento de soluções de vários fornecedores e os altos custos de equipamentos, entre outros.
Em relação às barreiras, ainda temos várias e de diferentes naturezas, tais como a Cultural, Técnica, Regulatória e de Experiências. Ao longo desse artigo, iremos explorar diferentes percepções e entendimentos sobre o contexto atual e a oportunidade de se construir a Utility do Futuro.
Entre as principais alavancas para investimentos na Transformação Digital nas Utilities estão os benefícios operacionais e financeiros decorrente da utilização das tecnologias digitais disponíveis. Entre as inúmeras tecnologias disponíveis, é importante destacar as com maior potencial: Internet das Coisas - IoT, Big Data, Inteligência Artificial, Medidores Inteligente, Cloud, Mobile Apps e Experiência Digital.
As Utilities na busca pela Transformação Digital têm espaço para capturar oportunidades ao longo de toda a Cadeia de Valor, passando captura do insumo básico (energia, água, gás) até tocar o cliente final. À medida que as concessionárias buscam essas oportunidades, os efeitos são sentidos pelo cliente final. Algumas Utilities lançaram aplicativos móveis para notificação, apresentação e pagamento de contas, bem como para gerenciamento de problemas na distribuição. Certamente, em pouco tempo, os aplicativos móveis se estenderão para casas inteligentes e edifícios conectados. O gerenciamento digital de recursos e insumos a serem distribuídos, de locais individuais a sistemas inteiros, já começou. Muitos projetos dentro das utilitiestêm foco digital e estão utilizando técnicas da economia digital, como o desenvolvimento ágil.
Para acelerar essas oportunidades digitais, as Utilities precisam transformar as suas operações. Para começar, eles devem desenvolver uma estratégia de transformação digital que possa ser incorporada e dimensionada com sucesso na organização. A estratégia deve ser projetada de acordo com os direcionadores de valor e pontos fortes existentes da empresa, incluindo o portfólio de produtos, a competência técnica e a proximidade com o cliente. Projetos e parcerias devem ser concebidos com os objetivos vinculados de digitalização de processos centrais, atualização de plataformas de TI, medidores inteligentes e conquista de novos negócios.
Pela sua própria natureza, as transformações digitais também provocam uma mudança cultural. Os horizontes de negócios para serviços públicos têm sido tradicionalmente de longa ou média duração, e por boas razões. A indústria baseia-se no uso de ativos caros que exigem altos investimentos e levam em consideração fatores regulatórios. À medida que planejam enfrentar o desafio digital, as concessionárias podem, felizmente, aproveitar uma vasta experiência de programas de mudança recentes em diversos setores (saúde, telecomunicações, finanças, etc.).
De forma simplificada, podemos organizar a Transformação Digital nas principais área de ação:
2. Transformação
3. Cultura: Princípios técnicos e organizacionais
Como se captura a eficiência?
O tripé Cultura, Experiência e Transformação que falamos anteriormente, somente se sustenta se for viável economicamente. Hoje, quem paga a conta da Transformação Digital nas utilities é a eficiência operacional. Mesmo num cenário extremamente regulado, com políticas pública inclusivas e o desafio da modernização das redes de distribuição, é notório a inovação e o interesse em buscar a eficiência do setor.
Projetos que começaram em laboratórios de Pesquisa e Desenvolvimento ou como ação de células especializadas dentro dessas corporações, tomaram relevância nos contextos internos e estão provando que é possível ter um Retorno de Investimento (ROI) para as ações de transformação. Ações como a fatura digital já é uma realidade em muitas Utiliites no Brasil, mesmo com a obrigações de emissão de fatura impressa.
4. O desafio Cultural
As Utilities são organizações tradicionais, inseridas dentro de modelos de governança e regulação restritivos. Essa modelo de organização acaba dificultando a inovação ou criando barreiras organizacionais que dificultam a implementação do novo.
Algumas Utilities têm investido na criação de novas ferramentas para promoção da inovação ou na revisão estrutural de seus organogramas para facilitar a tomada de decisão. Entre as ferramentas mais utilizadas estão os laboratórios de inovação e hubs de startups, além do incentivo para as áreas de P&D.
Do lado organizacional, algumas delas criaram divisões dedicadas à inovação e outras simplificaram o processo decisório aproximando as áreas de inovação e TI das áreas de operação. O fato é que não existe uma “bala de prata” para tratar o tema cultural principalmente no momento em que todas as verticais de negócio estão passando por algum processo de transformação digital. Cada empresa e setor tem que escolher a abordagem que melhor se ajuste a sua realidade. Contudo, em todas a gestão e retenção dos talentos digitais tem se mostrado uma constante.
5. O desafio Operacional
Em geral, a telemetria da rede de distribuição e a medição inteligente são as primeiras que as Utilitiesbuscam na eficiência operacional. O passo seguinte é a construção, a partir dos dados coletados, de uma base de dados (Big Data) integrada para definição de perfis de consumo e uso da Rede. O terceiro passo, envolve o desenvolvimento de algoritmos que permitam otimizar rotinas e desenvolver mecânicas de manutenção preventiva na rede. O quarto passo seria a automação plena do grid de distribuição.
Atualmente, as Utilities no Brasil ainda se encontram no primeiro passo, a digitalização dos ativos, telemetria e medição inteligente. A Medição Inteligente utilizando conectividade do IoT tem se mostrada extremamente eficiente e integradas no Core das organizações. É o caso do projeto da Sabesp de medição de água e da Comgás, medição de Gás, onde a figura do “leiturista” é substituída / agregada com novas informações e dados que permitem melhorar a gestão das redes e a eficiência do sistema como um todo.
Muitas vezes o processo esbarra no custo do medidor (relógio) que se mostra viável apenas em regiões de alto consumo. De forma geral, 50% dos clientes consomem apenas a tarifa mínima, inviabilizando qualquer ação de automação da coleta das medições. Outro foco recorrente é na Telemetria, devido a redução das perdas e melhoramento da eficiência operacional. Graças a projetos como esse, torna-se possível a gestão mais eficiente da distribuição de água reduzindo o risco, através de uma gestão mais eficiente da rede de distribuição, de situação como estouro de adutoras entre outros.
A Medição Inteligente e a telemetria da rede de distribuição habilitarão uma série de dados que bem geridos podem trazer uma série de informações úteis sobre o perfil de consumo dos clientes permitindo o desenvolvimento de modelos estatísticos e determinísticos para uma gestão mais eficiente dos recursos e da rede de distribuição. A gestão dessas informações de forma integrada aos processos de negócio pode permitir novas relações de consumo (além da modicidade tarifária), o desenvolvimento de novos produtos / soluções, o estabelecimento de padrões de falhas / desvio para uma gestão mais efetiva e sustentável dos recursos e da criação de novas formas de relacionamento com o cliente.
Essas iniciativas de transformação digital e digitalização dos insumos ainda encontra desafios para a sua massificação em função dos investimentos e incertezas tecnológicas, exigindo uma maior padronização, incentivos regulatórios e novos modelos e processos de negócio.
6. Novos Modelos de fornecimento
Sobre os modelos de negócios e programas de transformação digital, as Utilities têm diferentes abordagens estratégicas. Algumas acreditam na necessidade de uma transformação digital de (i) dentro para fora, assumindo maiores riscos e desafios internos, já outras acreditam em modelos onde a transformação digital pode acontecer de (ii) fora para dentro, compartilhando os riscos com diferentes atores e detentores de tecnologias.
(i) IoT como meio: As utilities que optam pelas soluções de IoT como meio, assumem os investimentos no hardware (seja o medidor ou o sensor) e muitas delas investem no desenvolvimento de redes de IoT dedicadas. Esse modelo exige maior investimento em tecnologia (laboratórios e redes) e é realizado através de áreas de P&D e/ou inovação internas. O processo de contratação se dá através de investimento, conta de Capex. Ciclo de inovação mais longo e fechado.
(ii) IoT como Serviço: As utilities que optam IoT como Serviço, contratam soluções que envolvem o hardware, a conectividade e a solução, especializando-se na gestão da qualidade da informação coletada e na gestão dos SLAs. O processo de contratação se dá através da conta de Opex. Ciclo de inovação mais curto e aberto.
Cada modelo tem as suas peculiaridades, características e alcance, e podem ser utilizados simultaneamente pela utilities. Empresas inovadoras e visionárias como a SABESP e a Comgás estão investindo na abordagem de IoT como Serviço, promovendo a especialização de empresas e o desenvolvimento de um ecossistema de valor. Dados públicos da SABESP, detalham a existência de mais 120 mil medidores com coleta inteligente e planos de outros 120 ao longo dos próximos anos. O target tem sido os medidores de alto consumo.
A Sanasa tem sinalizado a mesma abordagem com o foco ligeiramente distinto, no caso da concessionaria de Campinas os planos são de utilizar a abordagem de IoT como Serviço para conectar cerca de 1.000 clientes na região.
7. O Desafio do Ecossistema
Endereçado o planejamento estratégico e a transformação digital, ainda resta um desafio considerável da indústria que é a criação de um ecossistema de negócio sustentável, envolvendo fornecedores de conectividade, sensoriamento, medidores, atuadores, software, integradores, operadores e fornecedores de hardware e silício.
Recentemente o ecossistema do IoT enfrentou sérios problemas na cadeia de fornecimento global de soluções em função das limitações de fornecimentos de chips e componentes eletrônicos. A situação está se normalizando gradativamente. O profissional que trabalha com o IoT exige a confluência de competências e capacitações que envolve: telecomunicações, sistemas digitais, IT, processos, integração de sistemas, big data e engenharia. Contudo, durante a pandemia, vários projetos de Internet das Coisas foram interrompidos, gerando uma descontinuidade de soluções e desmobilização de equipes, que já são raras no setor.
A integração sistêmica é outro ponto de atenção. IoT é um componente de um processo, um sensor, medidor, atuador..., que precisa ser integrado aos sistemas de front end (CRM e Vendas) e aos sistemas de Back End (OSS, ERP, Antifraude, etc.
Ao final desse primeiro ciclo de implementações, fica evidente a necessidade de se ter um planejamento de médio e longo prazos para garantir o devido engajamento de toda a cadeia de valor.
A conclusão é que é notável o amadurecimento das Utilities e dos seus fornecedores ao longo dos últimos anos na condução de pilotos e desenvolvimento de soluções em campo. Como reflexo, hoje, o ecossistema de negócio que atende às Utilities apresenta empresas e processos maduros, com casos de sucesso e implementações economicamente sustentáveis.
De forma geral, é possível resumir a discussão em 4 grandes recomendações:
Por fim, acreditamos, pelas condições descritas nesse artigo, que a Transformação Digital obtida através da eficiência operacional continuará sendo o motor da transformação digital das Utilities. O percurso, sem alavancas regulatórias bem definidas, continuará de uma transformação da Eficiência para Cliente, promovendo uma mudança na Cultura e habilitando novas oportunidades, gradativamente.
Elaborado por:
Participaram deste SCB Committee e colaboraram para este artigo: