Introdução e Background
A aceleração da medição remota de água e gás desponta como um catalisador essencial para a transformação urbana, impulsionando não apenas eficiência operacional, mas também oportunidades inovadoras na gestão da informação e na integração com a Internet das Coisas (IoT). Nesse cenário dinâmico, enfrentar desafios técnicos e de segurança torna-se uma etapa crucial para desbloquear todo o potencial dessas tecnologias.
Ao priorizar a aceleração da medição remota, as cidades podem revolucionar a gestão de recursos essenciais. Essa abordagem não apenas otimiza a coleta de dados em tempo real, mas também estabelece a base para uma gestão mais inteligente e eficaz. A interconexão com a IoT amplia as possibilidades, permitindo uma visão holística e integrada das operações urbanas, desde o consumo de água até o monitoramento do suprimento de gás. Essa convergência de dados cria oportunidades para insights avançados e tomada de decisões mais informada, pavimentando o caminho para cidades verdadeiramente conectadas.
Portanto, a aceleração da medição remota de água e gás transcende a simples automação, tornando-se um impulsionador estratégico para a transformação das cidades. Ao superar desafios e alavancar a sinergia entre a gestão da informação e a IoT, as cidades estão posicionadas para alcançar novos patamares de eficiência, sustentabilidade e qualidade de vida para seus habitantes.
Neste SCB-InfR discutimos os desafios de mercado para automação da medição e gestão do grid para as utilities de água e gás.
A perspectiva das Utilities
O mercado das utilities de água e gás é altamente fragmentado no Brasil com uma mistura de empresas públicas, privadas e de economia mista nos níveis federal, estadual e municipal.
Embora o Brasil tenha recursos abundantes de água, enfrenta desafios significativos na prestação de serviços de água seguros e confiáveis à sua população. A falta de infraestruturas de tratamento e distribuição de água, incluindo tubulações e estações de tratamento antigas, perdas de água devido a fugas e roubos, contribuem para interrupções de serviços e problemas de má qualidade da água em muitas áreas do país.
De forma geral, o mercado opera sob uma estrutura regulamentada supervisionada por agências reguladoras nos níveis municipal, intermunicipal e estadual, além do esforço pela uniformidade regulatória, a partir da atuação da agência nacional. Com marcos recentes de regulamentação e novos investimentos no setor, as utilities estão implementando planos de modernização através da transformação digital para enfrentar os desafios e ganhar eficiência, sendo a automatização da leitura do consumo para faturação a primeira fase.
Dentre as principais alterações normativas que afetam essa atividade, destacam-se a Lei nº 14.026/2020, que alterou a Lei Nacional de Saneamento Básico, e a Lei nº 14.134/2021, que institui o Marco Regulatório do Gás Natural. Ambos os diplomas legislativos trazem foco e potencial de mercado à medição remota, seja pelo estabelecimento de metas legais de redução e perdas e eficiência operacional no setor de abastecimento de água, seja pelo incentivo à desverticalização e entrada de novos atores no mercado de gás.
Após vários PoC (Provas de Conceitos) com resultados positivos, as empresas estão acelerando a adoção da medição remota e do gerenciamento de redes inteligentes, lideradas pelas utilities de São Paulo. No setor de águas, metas progressivas de saneamento têm garantido a evolução ainda da medição remota para a conexão dos medidores.
Recentemente, movimentos mais ousados do setor, têm habilitado uma visão holística sobre os benefícios da gestão do grid e da medição remota. Esse potencial deve se tornar mais concreto a partir do momento que a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) editar Norma de Referência definindo as metas de redução de perdas e eficiência, tornando sua busca requisito para o acesso a recursos públicos federais ou administrativos por instituições federais.
No setor de gás, a eficiência e a gestão dos dados são os principais motivadores para medição remota. Em alguns mercados, o regulador tem definido um ritmo para adoção de medição remota.
Nos dois casos, a transformação digital tem promovido uma visão integrada e de longo prazo para o setor que vai muito além da conexão remota de medidores, baseado na adoção de tecnologias exponenciais que permitiram reinventar o papel das utilities através da adoção em escala da Internet das Coisas – IoT, Big Data, Inteligência Artificial - AI, Medidores Inteligente, Cloud e uma visão de jornada diferenciada para o cliente final.
A longa cadeia de valor do IoT.
A cadeia do IoT é longa com diferentes níveis de integração e responsabilidades que vão desde o processo de desenvolvimento de módulos inteligentes, passando pela instalação massiva de objetos inteligentes que precisam ser conectados através de soluções de comunicação sem fios a plataformas digitais que, por sua vez, precisam transformar os dados em informações para serem integrados nas aplicações e sistemas das utilities, além de habilitar novas formas de tomada de decisão e rentabilização.
Figura 1 – Figura ilustrativa da longa cadeia do IoT (baseada na visão do AUTOR e na abordagem descrita no IOT-Labs.io )
Cada etapa dessa cadeia exige capacitações e conhecimentos específicos, exigindo esforços de integração, capacitação, resiliência e consistência para atender os requerimentos.
De toda a sorte, é possível destacar que existem oportunidades em toda a cadeia de valor. As provas de conceitos (PoC) desenvolvidas pelas principais utilities no Brasil permitiram nos últimos anos o desenvolvimento de um ecossistema robusto de fornecedores e soluções que já suportam mais de 300 mil medidores conectados. Esse tema foi discutido e trabalhado no artigo (Como destravar a Geração de Valor nas Utilities?), com destaque em especial ao conceito de IoT as Service.
Nessa abordagem, os módulos e objetos inteligentes contemplam a solução de conectividade e são integrados a uma plataforma de gestão de IoT do provedor da solução de IoT as a Service. Esses fornecedores garantem que os dados de medição advindos dos medidores chegaram de forma adequada na plataforma de dados do cliente Utility.
Conhecidos como Solution Providers (SP), esses atores garantem a abstração da complexidade do hardware e da conectividade para as utilities através da utilização de soluções de conectividade, tais como LoRaWan, Sigfox, LTE, 2G, NB-IOT, WiSun, entre outros, devidamente instalados no objeto inteligente, o medidor.
Atualmente, a principal conectividade utilizada nos setores de água e gás são baseadas em LoRaWan e Sigfox para o setor de água, e LoRaWan para o setor de gás. Novas conectividades começam a ser utilizada tais como NB-IoT em complemento às existentes. Em geral, é possível perceber que a adoção de múltiplas tecnologias de conectividade tem garantido a resiliência e consistência necessária para as aplicações.
A plataforma de IoT fornecida pela SP permite a gestão dos módulos e da conectividade para a aplicação de telemetria e telegestão.
De forma simplificada, baseada nas discussões deste SCB-Infr, é possível organizar os desafios e oportunidades conforme abaixo:
Utility 4.0
A medição remotizada é um passo fundamental e estratégico para a transformação. Contudo, o foco das Utilities tem sido mais amplo e transformador. Concessionárias como a Sabesp começam a vislumbrar um cenário de Operação Cidades 4.0 com automação da captação ao lançamento no rio, automação de ETAs/ETEs, Medição Remota de todas as unidades da cidade, automação na distribuição e coleta. Nessa abordagem, o modelo de contratação é baseado em contrato de performance, onde o fornecedor é remunerado pelo dado entregue.
O contexto inaugurado pela Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos) facilita arranjos dessa natureza dentro do setor público, na medida em que traz meios de remuneração por desempenho e baseado em metas. Ao lado disso, a criação do regime de contração de fornecimento e prestação de serviço associado possibilitam a modelagem do contrato para que o contratado forneça não apenas o equipamento, como todas as condições necessárias para a entrega do dado.
Figura 2 - Projeto de Eficiência Operacional (fonte Fórum Sabesp com fornecedores de 2023)
Conclusão
O amadurecimento das Utilities e do ecossistema de fornecedores ao longo dos últimos anos permite que as Utilities coloquem em práticas as suas estratégias de valor baseado na informação e na gestão eficiente das suas redes de distribuições.
Como reflexo, hoje, podemos sinalizar que o potencial da medição remota e telemetria das redes foi destravado. Apenas em São Paulo, os projetos de medição remota já atendem a mais de 500 mil unidades de medição de água e gás. Os casos de sucesso e implementações estão se mostrando economicamente sustentáveis, habilitando captura de valor e o desenho de novas abordagens de negócio.
De forma geral, é possível resumir a discussão em 4 grandes recomendações para captura do potencial de Mercado:
Por fim, acredito que a transformação através da eficiência operacional continuará sendo o motor da transformação digital das Utilities. O percurso, sem alavancas regulatórias bem definidas, continuará de uma transformação da Eficiência para Cliente, promovendo uma mudança na Cultura e habilitando novas oportunidades gradativamente.