Como os dispositivos de IoT e a IA podem reduzir as perdas nos sistemas de distribuição de água para as Cidades?
Este artigo é uma síntese das análises e contribuições debatidas durante a Reunião Estratégica nº 09, do Smart City Business Brazil Congress 2022, realizada na cidade de São Paulo no dia 25 de maio deste ano.
O objetivo desse encontro, que contou com a presença de representantes de agências reguladoras, prestadores de serviços privados, consultores e fornecedores de soluções tecnológicas, foi o de analisar o status quo do emprego da Internet das Coisas (IoT), Inteligência Artificial e de outras tecnologias pelo setor de saneamento para reduzir as perdas de água e debater sobre o que poderia ser feito para evoluir nesse sentido.
Estudos realizados pela Organização das Nações Unidas (ONU) alertam que mais de 70% das populações das grandes cidades viverão em áreas de escassez hídrica nos próximos anos. No Chile, a estimativa é que serão 12 anos de escassez, e no caso do Brasil, serão dez anos. Outros estudos feitos pelo Banco Mundial e pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) mostram ainda que as perdas de água chegam a 50% em média no mundo todo e que acontecem por diversas razões como vazamentos, erros de leitura, hidrômetros obsoletos, ligações clandestinas, entre outros. É um problema que pode ser minimizado nas cidades com o uso da Inteligência Artificial (IA) e dos dispositivos de IoT que contribuem para reduzir estratégica e significativamente o volume das perdas de água, gerando ao mesmo tempo uma redução de custos para as companhias de saneamento e aumento da receita, entre outros benefícios.
Enquanto nos Estados Unidos 65% das micromedições são feitas com emprego da IoT e da telemetria, no Brasil menos de 5% utilizam essas tecnologias. Ainda há muito a avançar nesse sentido e na macromedição. Muitas empresas de saneamento, principalmente as públicas, alegam não contar com recursos financeiros suficientes para investir em novas tecnologias. Mas, nesse sentido, uma opção viável são os contratos de performance, pois a empresa apenas usa a tecnologia após ser implementada pelo parceiro privado e os resultados e benefícios confirmados na prática remuneram os contratos. Outra questão, além da falta de recursos financeiros, são as barreiras jurídicas, que brecam projetos de inovação e fazem as empresas, especialmente as do setor público, perderem tempo e água.
Uma dificuldade adicional é que muitos profissionais das empresas de saneamento ainda não estão prontos para trabalhar com tecnologias e para lidar e analisar a grande quantidade de informações geradas por elas. Vale destacar que atualmente é feita uma leitura por mês, enquanto com o uso de sensores e outros equipamentos de IoT poderiam ser feitas várias leituras diárias, o que ampliaria substancialmente a quantidade de informações, requerendo a capacitação das pessoas para analisar esses dados com emprego de tecnologias, como as de Inteligência Artificial.
Como bem disse Murilo Borges, da Iguá, “dados são como água: só servem se forem tratados”. Enquanto a IoT agiliza a captura diária dos dados, a IA permite analisar essas informações para auxiliar na tomada de decisão. Com isso, é possível verificar as anomalias no sistema de forma imediata e precisa, permitindo que se criem metodologias específicas para cada cliente. Isso facilita o trabalho e gera maior nível operacional. Tecnologia, gestão da informação, tomada de decisão e ações efetivas, tudo isso tem que caminhar juntas.
O grande problema é que há muito atraso na preparação das pessoas do setor para a universalização do saneamento. As inúmeras tentativas de novos projetos não são fáceis, mas são válidas porque há mais de 40 milhões de brasileiros sem água, e as empresas do setor estão sofrendo com a elevação dos custos, especialmente os referentes à energia elétrica. A maior dificuldade dessas companhias, principalmente das públicas, é a falta de decisão política para resolver os problemas, e não levam em consideração que existem várias possibilidades além das licitações.
Há falta ainda de maior diálogo entre as empresas prestadoras de serviços e as agências reguladoras, sendo que a missão dessas últimas é trabalhar com maior transparência, orientar e viabilizar os acordos entre as partes. É preciso estimular o diálogo entre todos os elos da cadeia e achar o caminho jurídico para viabilizar o maior emprego das tecnologias que vão auxiliar, não apenas a reduzir a escassez hídrica, como também a gerar caixa, considerando que, na verdade, o dinheiro já está nas companhias, mas está sendo desperdiçado na perda da água que já foi tratada, devido a vazamentos, fraudes, erros de leitura e hidrômetros ultrapassados, além da dificuldade de mensurar os custos.
Cabe às agências reguladoras orientar as prestadoras de serviços quanto ao emprego de tecnologias que permitam apontar e verificar as irregularidades no sistema para que estas, então, determinem as ações cabíveis. Os prefeitos não conseguem resolver os problemas junto aos prestadores de serviços. Cabe ao regulador sugerir alternativas no sentido de otimizar as operações. Primeiro é preciso criar um sistema de informações para, depois, partir para a elaboração de programas que visam à redução de perdas de água.
A SAAE Sorocaba, por exemplo, que em janeiro deste ano contratou um profissional vindo do setor privado para assumir a área responsável por inovação, enfrentou dificuldades para aquisição e importação de novas tecnologias, impostas pelo setor jurídico, e ainda teve que lidar com a deficiência e desorganização para a obtenção de informações que são coletadas de forma manual. Assim como em outras companhias, ainda falta muito para informatizar a empresa e obter os dados em tempo real, o que requer também altos investimentos. Mesmo aquelas que contam com programas de redução de perdas e sistemas de monitoramento em tempo real, têm dificuldades para analisar e saber o que fazer com os dados obtidos.
Algumas prestadoras privadas de serviços que estão entrando no setor de saneamento estimuladas pelo novo marco regulatório, mostram-se abertas à experimentar e testar novos equipamentos e tecnologias, tendo consciência da necessidade de capacitar pessoas para instalar e lidar com sensores IoT e soluções inovadoras. Falta às agências reguladoras dar suporte a essas iniciativas, e às prestadoras de serviços públicas e privadas arrumarem a casa primeiro para depois verificar, inclusive do ponto de vista financeiro, onde vale a pena implementar as novas tecnologias. O consenso é de que ninguém faz nada sozinho. É preciso que as prestadoras de serviços se unam às agências reguladoras e às fornecedoras de soluções para que, juntas, encontrem o caminho viável para melhorar o saneamento. O importante é começar a fazer a mudança de paradigma, sem querer fazer tudo de uma vez. É possível dividir os problemas em blocos e trabalhar um por vez, o que já servirá de exemplo para outras cidades do país.
A regra é que a regulação sempre chega depois do fato, o que não é uma novidade, e isso acontece porque muitas agências reguladoras são antigas e possuem uma estrutura engessada que dificulta a inovação. Uma das exceções é a AGESAN-RS, que por ser uma autarquia mais nova, criada em 2019 e composta por profissionais que vieram do mercado, tem uma postura mais aberta a esse processo de modernização e de maior cooperação com os demais atores do setor. E cabe ao prestador de serviço otimizar a sua gestão, pois, em muitos casos, há recursos financeiros para colocar em marcha vários projetos, mas que acabam sendo desperdiçados justamente devido a uma gestão equivocada.
Há grande esperança de que o novo marco regulatório impulsione o setor, na medida em que permite aos prestadores de serviços firmar contratos de 10, 15 e até 35 anos e, com essa perenidade, terão mais tempo para investir em tecnologias e na implementação de projetos de eficiência. Não há dúvida de que a tecnologia permite ganhar 25 anos em um, e a expectativa é que haja condições para seu maior emprego no saneamento.
É preciso parar de apenas discutir a questão das perdas em congressos e partir para a ação. Está na hora de todos os elos da cadeia se unirem para que se comece de fato a trabalhar para modernizar o setor e prestar melhor atendimento à população, reduzindo as perdas para que a água chegue aqueles que ainda sofrem com a sua falta. Investir em perdas dá retorno imediato porque, de fato, o dinheiro já está nas companhias, mas é invisível e desperdiçado nas sub-medições, fraudes, vazamentos e demais irregularidades. Não existe vida sem água e é preciso tratar melhor esse recurso. Como bem disse o ex-presidente dos EUA, Barack Obama, “somos a primeira geração que sente as consequências das mudanças climáticas e a última que tem a oportunidade de fazer algo para detê-las”.
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