Por Gadner Vieira - Vice-Presidente de Energia e Smart Grid do SCBA
•
12 mar., 2023
Este artigo é uma sinopse dos debates, análises e contribuições havidas no âmbito do Smart City Business Infrastructure (SCB-InfR), ocorrido na sede da TIM Brasil, no di a 17 de outubro de 2022. Através dos Programas de Parceria Público e Privada de Iluminação Pública, também chamados somente de PPPs de IP, os municípios podem modernizar não somente suas estruturas de luminárias, como, também, construir uma rede de comunicação de dados para os sistemas de telegestão, iniciando assim uma transformação e digitalização de todos os seus serviços, para capturar os resultados associados à eficiência energética, e também criando uma estrutura operacional e técnica que pode ser utilizada para viabilizar e desenvolver novos serviços e atividades para o município. Estes novos serviços, são chamados de Serviços Acessórios, e podem gerar novas fontes de receitas para as PPPs de IP e para o município, de acordo com o contrato de concessão. Estas receitas são comumente chamadas de Receitas Acessórias. Nos projetos para montagem e viabilização das PPPs para o parque de IP, os municípios, estruturadores e os proponentes têm considerado um potencial de futuras novas receitas acessórias que podem ser a chave do sucesso ou do fracasso das PPPs. Existe uma grande expectativa que as potencias futuras receitas acessórias possam ser grandes o suficiente para viabilizar novas iniciativas estruturantes para as Cidades Inteligentes, bem como trazer resultados financeiros para o município e para a PPP, de forma a tornar os projetos de PPPs bastante atraentes no mercado. Devido a estas expectativas e modelos de negócios, entende-se que parte da agressividade nos deságios estão relacionados a expectativa de potenciais e volumosas receitas acessórias. Considerando este cenário, foram apresentados e discutidos inúmeros fatos e informações que representam a realidade dos projetos atuais, os desafios e os riscos que o setor de Iluminação Pública e as PPPs estão enfrentando atualmente, para buscar caminhos que possam concretizar a realização de projetos que tragam receitas acessórias e que ajudem o modelo de PPP a permanecer equilibrado. O primeiro ponto a ser abordado e adequadamente entendido são os desafios enfrentado pelas PPPs de IP, para que elas consigam identificar e desenvolver novos serviços e projetos que venham a se tornar novos projetos geradores de Receitas Acessórias. Considerando que o desenvolvimento destes serviços engloba atividades como: definir e montar o escopo e a estrutura dos serviços, procurar alternativas para viabilizar técnica e legalmente, “vender” estes novos serviços para o futuro cliente, seja ele a municipalidade ou a iniciativa privada, e finalmente, mas não menos importante, encontrar modelos para tornar viável o modelo de negócio que permita uma remuneração adicional para a concessionária e para o município. Todas estas atividades, que tradicionalmente são corriqueiras em outros segmentos, são bem mais desafiadoras, complexas e trabalhosas de serem viabilizadas e realizadas nas PPPs de IP. Então, a pergunta que emana sobre este contexto é: “Quais são estes desafios ou barreiras que impedem a viabilização destes novos serviços pela PPP de IP?” São diversas as barreiras, comuns a qualquer montagem de um negócio, mas duas se destacam, e ambas estão associadas a questões jurídicas e legais. A primeira está associada ao processo de venda de um projeto para o município, ou seja, como o município poderia contratar ou expandir o contrato com a PPP para receber prestação de novos serviços. Para que a municipalidade possa fazer contratações, ela deverá seguir as exigências legais definidas para a administração pública, onde existem exigências, definições e procedimentos definidos na Lei 8666/93 e, também, nas Leis 13.303/16 e 14.133/21, onde estão definidos os procedimentos que a administração pública, por consequência os municípios, precisam adotar para as licitações públicas. Como as PPPs não têm, em sua estrutura principal, pessoas, processos e objetivos de natureza comercial para a busca de novos negócios, elas não se motivam para a conquista de novos serviços e projetos. O mesmo raciocínio se aplica para a busca de clientes no mercado não público, ou seja, empresas privadas e não regidas pela administração pública. Este caminho também não está alinhado ao propósito legal da PPP e de sua estrutura administrativa e operacional. As concessionárias não demonstram interesse e nem envidam os esforços e os investimentos necessários para desenvolver a prestação de novos serviços para empresas privadas, mesmo que parecidos ou correlatos com os serviços que eles prestam para a municipalidade ,dentro do seu contrato de concessão, pois elas têm uma natureza fortemente operacional e voltada a execução da gestão, operação e manutenção do parque de iluminação pública, buscando atender aos marcos de modernização e operação, bem como ao atendimento dos indicadores de performance a que estão submetidas. Assim o que se observa, é que pouquíssimas PPPs de IP têm ofertado novos serviços, ou buscado vender e conquistar novos clientes, sejam eles públicos ou privados, fazendo, assim, com que o potencial esperado das receitas acessórias seja nulo, frustrando as expectativas construídas quando da estruturação das ofertas e propostas apresentadas para as conquistas dessas concessões. Para entender o contexto da segunda barreira, é necessário compreender como seriam gerados ou definidos os recursos financeiros para a municipalidade poder contratar novos serviços e, também, como estes recursos têm seu propósito e uso estabelecidos. O processo de estruturação dos editais de concessão da iluminação pública, através das PPPs, parte do princípio que a iniciativa privada tem capacidade de assumir a concessão e executar os serviços previstos com melhor eficiência técnica, operacional e financeira que o próprio município. Assim, com a disputa entre potenciais interessados, ao final do processo licitatório, os novos valores ofertados geram um desconto, ou deságio, nos valores máximos estipulados nos editais como valor da contraprestação para a execução dos serviços e das modernizações requeridas pelos contratos de concessão. Esta diferença entre o valor máximo dos contratos, que é estabelecido pela arrecadação total da CIP (ou COSIP), e o valor final do contrato de concessão, irá gerar um delta ou superávit positivo, advindo da economia. Este superavit ficará para o município, e em alguns casos reais atuais, vão se acumulando e são mantidos em contas específicas do município. Poucos municípios têm proposto repassar este excesso como redução dos valores da CIP, permitindo assim que o superavit seja efetivamente deduzido do valor projetado para esta contribuição. A maioria deles, na verdade, tem mantido estes valores em suas contas específicas para a CIP, tentando encontrar formas legais de utilizá-los, no futuro, em prol do município, trazendo benefícios aos cidadãos. De fato, o que realmente tem acontecido é que em mais de 90% das mais de 80 concessões licitadas e em operação, temos situações de deságios elevadíssimos, algumas superiores a 50%, gerando valores milionários de superávit. Pelos altos percentuais concedidos nestes deságios, os participantes deste ambiente de negócio e ecossistema, têm demonstrado preocupação e questionado a viabilidade operacional dos projetos. A maioria das atuais concessões permitem aos municípios manter uma grande parcela da CIP (COSIP) em seu caixa. Estimativas indicam que o valor arrecado e não empregado supere o valor de R$ 350 milhões de reais por ano, considerando o resultado dos leilões até julho de 2022, o que representa uma economia média de R$ 12,00 por mês por ponto de IP, num total de mais de 2,5 milhões de pontos de Iluminação Pública que foram concedidos através das PPPs para as novas concessionárias (fonte ABCIP). Então, por que os municípios não fazem uso destes recursos para melhor equipar suas escolas, postos de saúde ou aplicar em infraestrutura urbana ou tecnológica para melhorar os serviços públicos municipais? A resposta para esta questão está na Constituição e na legislação complementar que detalha a fonte de arrecadação e de aplicação desta contribuição, a CIP. O artigo 149-A da Constituição, define que a CIP, contribuição para iluminação pública, visa custear o serviço municipal de iluminação e estipula que esta contribuição terá seu valor e será arrecadada conforme estipulado, promulgada e operacionalizada pelo município individualmente. Ou seja, o legislativo e executivo municipais vão definir e promulgar o valor e a arrecadação da CIP e utilizá-la conforme previsto neste artigo da constituição, onde fica estabelecido que esta arrecadação pode ser aplicada única e exclusivamente nos equipamentos (postes, luminárias, cabos, controles, sistemas e outros), na conta de energia e nos serviços de operação e manutenção (O&M) diretamente associados a iluminação pública. Desta forma, não há como o município fazer uso de parte ou do todo desta arrecadação para aplicá-lo em outras áreas, como por exemplo, implementar servicos de conectividade a internet através de redes WiFi em locais públicos. Com isto, os municípios se veem em uma situação ingrata, pois normalmente os projetos municipais normalmente não são executados por falta de fundos e origem, através da arrecadação, e neste caso eles têm um saldo vultuoso disponível, mas impedidos de utilizá-lo, mesmo que para fins nobres e prioritários. Outro aspecto legal, é o da Emenda Constitucional (EC) 93/2016, promulgada pelo Congresso Nacional, que prorrogou até 31 de dezembro de 2023 a permissão para que a União utilize livremente parte de sua arrecadação, a chamada Desvinculação de Receitas da União (DRU), e estendendo este mecanismo para estados e municípios (DREM) e também ampliando de 20% para 30% o percentual possível de um uso livre de contribuições e tributos com fins específicos, como o caso da CIP, e desta forma trazendo a possibilidade dos municípios fazerem uso deste recurso para financiar qualquer outra despesa municipal. Mas, evidentemente, para isto ser possível é necessário que a contribuição seja superavitária, seja pela eficiência ou pela existência de PPPs, para que o município planeje e execute o uso deste percentual liberado, O fato, entretanto, é que esses recursos ainda não estão sendo utilizados amplamente, pois os entendimentos dos órgãos de controle, as barreiras burocráticas e políticas têm criado barreiras para o uso e aplicação destes recursos. Existem algumas alternativas que estão sendo timidamente utilizadas e estudadas e que ainda não contam com unanimidade de concordância de opinião e de suporte das procuradorias e ministérios públicos, municipais e/ou estaduais quando aplicável, para fazer uso desses fundos gerados pelos superávits das CIPs. Para resumir, abaixo estão descritas as principais alternativas que são comumente discutidas pelos “stakeholders” públicos e privados atuantes na iluminação publica: 1) Aprovar um dispositivo legal municipal que regulamente o uso da CIP em outras aplicações. Nesta alternativa o legislativo municipal aprova uma legislação complementar e autoriza a municipalidade a aplicar estes recursos em novas áreas. Esta estratégia não está pacificada, pois os legislativos municipais não se sentem totalmente confortáveis com este caminho. Existem alguns entendimentos que com a concessão da IP, além de se viabilizar a modernização e melhorar os serviços de IP para o município e buscar uma eficiência energética, através redução do consumo e gastos com energia elétrica, também deveria, ao final, permitir a redução da arrecadação, beneficiando de forma dupla o munícipe. O que parece lógico, nem sempre é prático, pois embora os municípios relutem em não aumentar as arrecadações através de novos tributos ou taxas, eles também buscam não reduzir ou renunciar aos valores que já são atualmente arredados. Um paradoxo, mas uma prática comum na maioria das cidades. Por isso, muitas procuradorias e ministérios públicos costumam não recomendar a aplicação do superávit da CIP em outras áreas, seja por ação discricionária do executivo ou pela aprovação de uma legislação especifica pelos vereadores. 2) Fazer uso de instrumentos constitucionais ou de emendas (EC) aprovadas e em vigor. Como relatado, existe a EC 93/2016 que trata e autoriza o uso de até 30% da CIP em outras áreas. Este dispositivo cria uma possibilidade transitória, até final de 2023, para que os municípios, de fato, utilizem este percentual na viabilização de serviços a população. Porém, na prática, este dispositivo não está sendo utilizado de forma ampla, pois aparentemente estas áreas não são prioridades para os gestores, pois os mecanismos de contratação desses serviços têm dificuldades práticas e as PPPs não se colocam como interessadas e não priorizam sua utilização em seus planos. 3) Estruturar o processo de concessão da Iluminação Pública através de uma PPP, já prevendo, em seu escopo da concessão, outros serviços correlatos e potencialmente com sinergia para a concessionaria de IP. São raros os casos em que este modelo foi aplicado e efetivamente viabilizado. As barreiras estão associadas ao entendimento legal divergente e não unânime que este empacotamento pode apresentar, além da dificuldade de estruturação do projeto em si, na colocação dos requerimentos, controles e viabilidade financeira dentro dos projetos e licitações das concessões. Como a diversidade de necessidades, alternativas de modelos e a falta de suporte dos estruturadores, esta possibilidade não tem sido aplicada pelos municípios quando fazem uso do suporte de sua própria equipe e da ajuda dos estruturadores. Apenas um caso emblemático fez uso deste modelo, pois o projeto tem um porte grande e, também, é considerado uma vitrina para o Brasil e para o mundo, como cidade e ponto de visitação e turismo, que é o caso da cidade do Rio de Janeiro, com a concessão de mais de 350 mil pontos de IP para a concessionária e PPP vencedora daquele certame. Poderíamos continuar a apresentar, detalhar e avaliar muitos outros aspectos que podem justificar a dificuldade da efetiva concretização de novas receitas para as PPPs, as chamadas receitas acessórias, porém, entendemos que já temos aqui os principais aspectos que estão travando a evolução desta questão nas PPPs já estabelecidas. Em resumo, apesar dos recursos existirem, das necessidades existirem e da vontade e disposição dos municípios em estruturar novos serviços, mesmo com as PPPs dispostas a buscar novas receitas, a falta de um suporte legal definido, de forma objetiva e simples, tem impedido que os gestores públicos tomem decisões e executem ações e planos efetivos para a viabilização das contratações de novos serviços com os recursos superavitários da CIP. Sendo esta a realidade e estes os principais bloqueios e desafios, pode-se enxergar que os seguintes caminhos poderiam ser adotados para tentar remover as barreiras e dar mais segurança aos executivos municipais para seguirem adiante com o uso do fundo proveniente do superávit da CIP: a) Buscar apoio de entidades e associações municipais para a obteção de um arcabouço Jurídico e Legal que viabilize este caminho. Tal alternativa é possível, embora deva atender e ajudar a resolver este desafio para apenas uma parte mínima de municípios, pois este alinhamento entre executivo e legislativo, requer esforços e que, na maioria dos casos, não está sendo viável devido a questões políticas ou pela diferença de prioridades entre esses poderes. Ou seja, temos nesta alternativa, uma forma que vai funcionar em pouquíssimos casos. b) Aprimoramento da disciplina contratual através da melhoria dos contratos de licitação das PPPs de IP, buscando incorporar os serviços de cidade inteligente e serviços correlatos a gestão e operação de determinadas infraestruturas que fazem parte dos serviços que a municipalidade tem que prestar aos cidadãos, procurando eliminar certos pontos de insegurança jurídica, falta de clareza e embasamento legal e operacional e, também, obrigando os proponentes a montarem planos de negócios e ofertas considerando essas novas obrigações, fazendo com que parte da contraprestação ofertada subsidie os investimentos e custos operacionais para viabilizar todos os serviços a serem implementados. c) Viabilizar a construção e aprovação de uma Emenda Constitucional para flexibilizar o uso dos recursos da CIP. Nesta alternativa seria resolvido o problema no atacado, ou seja, em se tendo uma EC aprovada, toda municipalidade poderia aplicar e implementar as novas possibilidades de uso da CIP. Neste caso, os municípios seriam muito mais eficientes na aplicabilidade dos recursos, porém a complexidade, dificuldade e prazo para viabilizar uma nova EC que traduza de forma consensual as necessidades dos municípios não é tarefa simples e rápida. Para se viabilizar o escopo deste instrumento de emenda, certamente haveria uma farta discussão entre os stakeholders, e seria essencial uma grande articulação no Congresso Nacional para se obter a maioria necessária para a tramitação e aprovação da EC. Como é sabido, o processo para se ganhar a atenção e prioridade dos congressistas é complexo e, naturalmente, as barreiras políticas associadas às divergências sobre a prioridade acaba não ficando alinhadas, o que, por sua vez, não motiva a maioria dos atores políticos a fazerem esforços em definir, tramitar e aprovar uma EC. Considerando todas estas alternativas, o que poderíamos considerar a mais viável, seria o processo de orquestrar as atitude e iniciativas dos participantes do ecossistema de iluminação pública para focar no processo de construção de um movimento capaz de gerar o desenho de uma emenda constitucional para tornar possível o uso da CIP para outras infraestruturas nas cidades, e buscar, discutir e articular junto aos legisladores no Congresso Nacional, uma liderança política mais alinhada a estes objetivos e disposta a ouvir todo ecossistema. Parece difícil, mas como diz a frase atribuída a Jean Cocteau: “não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez”. Elaborado por : Gadner Vieira - Vice-Presidente de Energia e Smart Grid do Instituto Smart Cities Business América Participaram da Reunião de Infraestrutura e colaboração para este artigo : Alexandre Picanço - Diretor de Operações da Brasiluz Alvaro Pissarra - Diretor Executivo da Brasiluz Fábio Schmith Velloso – Gerente Executivo de PPPs da Caixa Econômica Federal Gustavo Zarife - CEO da Everynet Brasil João Paulo Pereira - Gerente de Soluções e BD IoT & 5G da TIM Brasil Márcio Pinto - Executivo Comercial da Zopone Engenharia Marcus Cunha - Diretor de Operações da Engie Roberval Tavares - CEO da Constanta Sérgio Souza - CEO da Kore Brasil